O transtorno bipolar tem ganhado cada vez consistência de se tratar de um “espectro” de humor em detrimento de dois pólos distintos de humor: a mania e a depressão. A depressão bipolar, ou seja, episódios depressivos que acontecem em portadores do transtorno bipolar (TB), tem sido um dos temas prioritários de pesquisas recentes em psiquiatria e neurociências. O subdiagnóstico da depressão bipolar faz com que muito pacientes com este transtorno sejam diagnosticados de forma equivocada como depressivos unipolares e, como consequência, tratados inadequadamente e com várias repercussões em sua qualidade de vida.
A apresentação clínica da depressão bipolar também é uma questão controversa, com discussões sobre um possível predomínio de sintomas atípicos (sonolência excessiva, aumento do apetite e da sensibilidade à rejeição), ou de sintomas melancólicos e de retardo psicomotor. Além disso, a questão relativa ao uso, ou não, de antidepressivos em seu tratamento tem sido objeto frequente de discussões. Temos, por um lado, relatos sobre o desenvolvimento de episódios hipomaníacos/maníacos (ciclagem) e um possível aumento na frequência dos ciclos em associação ao seu uso e, por outro, a descrição de um potencial benefício no uso de antidepressivos nos casos mais graves.
Sintomas da depressão bipolar versus depressão unipolar
A diferenciação entre a depressão unipolar, especialmente a depressão recorrente, e a depressão bipolar pode ser difícil. Eventuais sintomas clínicos sugestivos de que o portador integre o denominado “espectro bipolar” são de difícil detecção, além de sua especificidade ser questionável. O diagnóstico diferencial pode ser particularmente difícil em situações como, por exemplo, episódios depressivos em indivíduos hipertímicos (personalidade caracterizada por boa disposição, alta reatividade emociona, otimismo, entusiasmo, muita energia, e extroversão) e episódios mistos com predomínio de sintomas depressivos (1).
Kraepelin descreveu que os episódios depressivos integrantes da doença maníaco-depressiva apresentariam uma maior inibição da vontade e um menor grau de disforia do que a melancolia (2). Ao longo das últimas décadas, características clínicas como início mais precoce, instalação abrupta, maior frequência de episódios, maior número de episódios, maior frequência de sintomas psicóticos, incidência no puerpério e maior risco de suicídio foram relacionadas à depressão bipolar. A lentificação psicomotora, associada à hipersonia e à presença de sintomas psicóticos, poderia indicar uma “assinatura” da depressão bipolar segundo alguns pesquisadores (3).
A diferenciação entre episódios depressivos unipolares e bipolares é importante, pois o tratamento da depressão bipolar inclui, necessariamente, o uso de estabilizadores de humor, pelo risco de ciclagem para mania e de possível piora do curso e do prognóstico da doença.
O tratamento da depressão bipolar
Estabilizadores do humor
Os dados disponíveis em pesquisas científicas indicam que, entre os estabilizadores do humor clássicos, o lítio apresenta a maior eficácia antidepressiva e é a primeira opção para o tratamento de episódios depressivos leves e moderados em portadores de TB. A carbamazepina e o valproato não apresentam efeitos antidepressivos robustos, de acordo com os resultados até agora relatados (4).
Antidepressivos
Eficácia na fase aguda
A questão sobre o uso de antidepressivos no tratamento da depressão bipolar tem sido objeto de discussões recentes, mas poucos estudos com uma amostra da população significativa foram realizados até o momento. Não há evidências sobre a maior ou menor eficácia de diferentes antidepressivos no tratamento da depressão bipolar. Atualmente, a escolha por uma ou outra substância reside no risco da associação com episódios hipomaníacos/maníacos. Segundo artigos de revisão e consensos de especialistas, os inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRSs) e a bupropiona são considerados os antidepressivos de “primeira opção” para o tratamento da depressão bipolar. Os inibidores da monoamina-oxidase (IMAOs) e a venlafaxina figuram como alternativas, principalmente nos casos em que não se observa resposta satisfatória aos ISRSs ou à bupropiona. Os antidepressivos tricíclicos apresentam elevado risco de “ciclagem”, e seu uso deve ser evitado nestes casos/
Eficácia na fase de continuação e manutenção
A continuação do antidepressivo após a remissão do episódio agudo de depressão é outra questão controversa. Alguns autores sugerem sua continuação por um período de dois a seis meses ressaltando-se que episódios mais graves podem necessitar de uma fase de continuação mais longa. Outros, adotam uma postura mais restritiva, sugerindo a continuação por um período de três meses após a remissão. Esta questão polêmica envolve o risco da ciclagem, por um lado, e o de uma recaída depressiva quando da retirada do antidepressivo, por outro.
Mania associada ao uso de antidepressivos
Existem na literatura vários relatos da ocorrência de sintomas maníacos associados ao tratamento com antidepressivos. Indivíduos com um padrão de evolução “depressão-mania-eutimia”, com antecedentes de múltiplas exposições a antidepressivos, história de abuso ou dependência de álcool ou outras substâncias psicoativas e antecedentes de ciclagem, teriam maior risco de apresentar ciclagem associada ao uso de antidepressivos. Desta forma, neste perfil de paciente, o uso de antidepressivo deveria ser evitado. Ainda não existe um consenso em relação à duração do tratamento de continuação com antidepressivos. Essa decisão deve ser individualizada para cada portador, levando-se em conta, por exemplo, o padrão de recorrências, os antecedentes de ciclagem associada ao uso do antidepressivo e a gravidade do episódio. Entre os novos anticonvulsivantes, a lamotrigina é o que apresenta maior número de evidências de eficácia antidepressiva, inclusive no tratamento em monoterapia de episódios depressivos em bipolares tipo I.
Novos anticonvulsivantes
Lamotrigina
Entre os novos anticonvulsivantes, a lamotrigina é o que apresenta maior número de evidências de eficácia antidepressiva, inclusive no tratamento em monoterapia de episódios depressivos em bipolares tipo I, podendo ser a opção para o tratamento de episódios depressivos leves e moderados (5).
Antipsicóticos
Os medicamentos antipsicóticos são comumente utilizados no tratamento da depressão bipolar, especialmente durante os episódios depressivos com características psicóticas. Eles ajudam a estabilizar o humor e reduzir alucinações e delírios. Alguns antipsicóticos comumente prescritos incluem olanzapina, quetiapina, risperidona e lurasidona.
Psicoterapia
A terapia cognitivo-comportamental (TCC) e a terapia interpessoal (TIP), entre outras, são eficazes para ajudar indivíduos com depressão bipolar a compreender e gerenciar sua condição. Elas se concentram em identificar gatilhos, desenvolver estratégias de enfrentamento e melhorar os relacionamentos interpessoais.
Eletroconvulsiva (ECT)
A ECT pode ser considerada em casos graves de depressão bipolar ou que não respondem a outras opções de tratamento.
Mudanças no estilo de vida
Manter uma rotina diária estável, adequada ao ritmo circadiano, dormir adequadamente, fazer exercícios regularmente, praticar técnicas de gerenciamento do estresse e ter um sistema de apoio sólido são fundamentais o cuidado efetivo da depressão bipolar.
O tratamento da depressão bipolar requer uma abordagem abrangente que envolva medicamentos, terapia e mudanças no estilo de vida. Medicamentos como o lítio, antipsicóticos e estabilizadores de humor, como a lamotrigina, desempenham um papel crucial no gerenciamento dos episódios depressivos.
No entanto, é importante lembrar que o plano de tratamento deve ser adaptado às necessidades específicas de cada indivíduo. Ao combinar medicamentos com psicoterapia, terapias complementares e uma rede de apoio, pessoas com depressão bipolar podem alcançar estabilidade e melhorar sua qualidade de vida. É essencial consultar um profissional de saúde mental para elaborar um plano de tratamento eficaz que aborde os desafios únicos da depressão bipolar.
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(1) Akiskal, H. S., Bourgeois, M. L., Angst, J., Post, R., Möller, H. J., & Hirschfeld, R. (2000). Re-evaluating the prevalence of and diagnostic composition within the broad clinical spectrum of bipolar disorders. Journal of affective disorders, 59, S5-S30. (2) Maina, G., Bertetto, N., DOMENE BOCCOLINI, F., DI SALVO, G., Rosso, G., & Bogetto, F. (2013). The concept of mixed state in bipolar disorder: from Kraepelin to DSM-5. Journal of Psychopathology, 19, 287-295.(3) Ghaemi, S. N., Angst, J., Vohringer, P. A., Youngstrom, E. A., Phelps, J., Mitchell, P. B., … & Gershon, S. (2022). Clinical research diagnostic criteria for bipolar illness (CRDC-BP): rationale and validity. International Journal of Bipolar Disorders, 10(1), 1-16. (4) Manchia, M., Vieta, E., Smeland, O. B., Altimus, C., Bechdolf, A., Bellivier, F., … & Andreassen, O. A. (2020). Translating big data to better treatment in bipolar disorder-a manifesto for coordinated action. European Neuropsychopharmacology, 36, 121-136. (5) Calabrese, J. R., Bowden, C. L., Sachs, G. S., Ascher, J. A., Monaghan, E., & Rudd, G. D. (1999). A double-blind placebo-controlled study of lamotrigine monotherapy in outpatients with bipolar I depression. Journal of Clinical Psychiatry, 60(2), 79-88.