transtorno de aversão sexual / Dra Aline Rangel

Captura-de-Tela-2023-07-13-as-11.00.34.png

13 de julho de 2023 Geral

Você sabia que 77% do brasileiro se automedicam? Dos analgésicos aos “tarjas pretas”, passando por antibióticos, antiinflamatórios, corticóides, anti-histamínicos, a lista das medicações usadas sem orientação ou supervisão médica é extensa e igualmente perigosa. Agora, eu sei o que você está pensando – os medicamentos não são os vilões aqui. Na verdade, eles desempenham um papel crucial no combate tanto às doenças físicas quanto mentais. O problema é o uso inadequado dele.

A novela brasileira “Fogo e Paixão” trouxe à tona, recentemente, a questão do uso prolongado e não regulamentado de hipnóticos, ansiolíticos, antidepressivos, antipsicóticos, estabilizadores de humor e outros medicamentos. A personagem “Petra” apresenta este tipo de comportamento, associado ao transtorno de aversão sexual e, possivelmente, a algum trauma que ainda não foi revelado na trama.

Esses medicamentos, quando usados sem orientação médica adequada, podem levar à intolerância, dependência e uma série de efeitos colaterais, tudo em nome do tratamento de vários sintomas psicológicos e emocionais. Da novela à realidade, ou vice-versa, essas estatísticas alarmantes destacam a importância do uso racional de medicamentos e os perigos da automedicação prolongada e não supervisionada.

Por que as pessoas se automedicam?

O uso de remédios  “por conta própria”, isto é, sem orientação ou supervisão especializada, está intimamente ligada ao desejo de alívio imediato do sofrimento físico e/ou emocional. Dor, infecção, febre, aumento do apetite, insônia, cansaço, falta de atenção, angústia e tristeza figuram entre as principais condições que levam uma pessoa a se automedicar. A ideia de que “é só tomar aquele remedinho que passa” é vastamente perpetuada entre familiares, amigos, campanhas de marketing e até por profissionais da saúde. Esta ideia costuma ser verdadeira e com ausência de desfechos negativos para muitas condições clínicas e é aí onde mora o perigo: e quando o mal-estar não passa?

Automedicar-se é potencialmente perigoso quando falamos do sofrimento emocional, tanto naqueles inerentes à natureza quanto mais quando é parte de um transtorno psiquiátrico. Além de proporcionar alívio temporário da dor e do sofrimento, pessoas que abusam de medicações muitas vezes têm dificuldade em regular sua autoestima, relacionamentos e autocuidado, especialmente o autocuidado.

O que existe por trás da automedicação e vício em remédios?

É aí que entra em jogo a hipótese da automedicação, sugerindo que  ela  venha da necessidade do alívio do sofrimento, em vez da busca pelo prazer ou autodestruição. Isso é especialmente evidente em pacientes que têm transtornos psiquiátricos. Existem dois aspectos-chave a serem considerados. Em primeiro lugar, as pessoas recorrem a medicações porque elas aliviam o sofrimento. Em segundo lugar, há uma preferência psicofarmacológica específica por um determinado medicamento.

Além disso, dependendo de suas emoções predominantes, um remédio pode ser experimentada como aversivo. Por exemplo, uma pessoa agitada ou enfurecida pode considerar um psicoestimulante, como o metilfenidato, desorganizador e ameaçador. É importante observar que as medicações que têm u potencial de se tornarem viciantes não atraem universalmente a todos. Diferentes drogas têm efeitos diferentes e atraem indivíduos com base em seu estado emocional.

O que a automedicação quer tratar?

Automedicar-se não é sinônimo de vício em remédios mas este comportamento está significativamente associado ao risco de criar dependência a uma medicação. As pessoas não escolhem se tornar viciadas em remédio, alcoólatras ou dependentes de drogas; é por meio da experimentação que elas descobrem uma droga que alivia suas emoções dolorosas, tornando-se sua droga de escolha. Esse aspecto pode ser difícil de comprovar empiricamente, mas é notável com que frequência os pacientes o confirmam quando questionados: “Qual é a sua droga preferida?”.

Os opiáceos, como a morfina por exemplo, não apenas têm um efeito calmante geral, mas também atenuam a raiva intensa e emoções violentas. Eles combatem a fragmentação e a desordem causadas por essas emoções, tanto internamente quanto nos relacionamentos interpessoais.

Depressores do sistema nervoso central, como os benzodiazepínicos (diazepam, clonazepam, alprazolam, etc), atuam como “solventes do ego” ao quebrar as defesas rígidas que isolam os indivíduos e criam sentimentos de vazio. Eles aliviam temporariamente os estados de isolamento e vazio que muitas vezes levam à depressão.

Por outro lado, estimulantes podem aumentar os níveis de energia de indivíduos hipomaníacos ou com transtorno bipolar. Eles também atraem aqueles que se sentem desorganizados, entediados ou desatentos. Além disso, os estimulantes podem, paradoxalmente, acalmar e combater a hiperatividade e a falta de atenção em indivíduos com transtorno de déficit de atenção/hiperatividade.

Automedicação e transtornos relacionados ao trauma

A automedicação é um fenômeno preocupante, especialmente quando se trata do uso abusivo de medicações psicotrópicas para aliviar sintomas relacionados a experiências traumáticas. Muitos indivíduos que enfrentam traumas, como a violência sexual, podem sentir dificuldade em aderir a um tratamento adequado e acabam buscando alívio por conta própria.

Pacientes que vivenciaram algum tipo de trauma, muitas vezes, enfrentam dificuldades em aderir a um tratamento sério e preferem se automedicar para buscar alívio imediato de seus sintomas como já dito anteriormente. Essa decisão pode ser influenciada por diversos fatores, incluindo experiências passadas, falta de informação, questões econômicas, sociais, pessoais, genéticas e neurobiológicas. Experiências traumáticas são das coisas mais difíceis de ser reveladas ao outro. O medo do julgamento e a falta de perspectiva de resolução da experiência é o que pacientes mais justificam como resistência em pedir ajuda.

Tratamentos psiquiátricos ineficazes e automedicação

Além disso, quando os tratamentos psiquiátricos não são eficazes, seja por falta de acesso, falta de suporte adequado ou outros fatores, os pacientes podem se sentir desamparados e recorrer à automedicação como uma tentativa de alcançar algum alívio. A ideia de que “em time que está ganhando, não se altera os jogadores” é particularmente perigosa em transtornos psiquiátricos. Ela fortalece a ideia e comportamento que observamos em muitos pacientes e colegas médicos de que os tratamentos são intermináveis e que é só “renovar a receita controlada”.

O objetivo de um tratamento psiquiátrico não é “ficar menos pior”. Para muitos diagnósticos não podemos falar em “cura”, mas a ideia é retornar ou, muitas vezes, iniciar uma vida plena e que valha à pena se vivida. Infelizmente, observamos que cerca de 30% dos pacientes com Depressão, por exemplo, ficam bem mas com alguns sintomas residuais (principalmente prejuízos cognitivos). Além disso, muitos transtornos psiquiátricos são considerados refratários ao tratamento e precisam ser investigados novamente, avaliar comorbidades com outras doenças que prejudicam o tratamento e, até mesmo, considerar um novo diagnóstico. Mais uma vez reforçamos a ideia do tratamento com um psiquiatra qualificado, de forma continuada, como “o tratamento”.

É surpreendente pensar nas milhões de caixas de medicamentos consumidas para fins como auxílio para dormir, perda de peso, felicidade, redução da ansiedade, melhoria do humor e até mesmo aumento da libido. Mas aqui está a questão: precisamos levar esse problema a sério. É crucial buscar orientação psiquiátrica e psicoterapêutica adequada para ajudar a “desmamar” indivíduos viciados em remédio.  Esse processo deve ser feito corretamente e sob supervisão, identificando também os gatilhos que levam ao vício em remédios. Em última análise, o objetivo é ajudar a pessoa humana a desenvolver hábitos mais saudáveis e usar os medicamentos de maneira mais racional, adequada e com indicação precisa.


Captura-de-Tela-2023-07-07-as-15.58.10.png

O transtorno de aversão sexual (TAS) caracteriza-se pela aversão a qualquer tipo de contato sexual, particularmente o contato genital. A ideia de um relacionamento sexual causa repulsa e desconforto. Contudo, a pessoa se sente culpada e envergonhada com a situação – o que diferencia o transtorno de aversão sexual de um quadro de assexualidade.

O transtorno de aversão sexual se desenvolve, em geral, em resposta a experiências sexuais negativas e mensagens negativas sobre sexualidade.O medo apresentado chega a tal ponto que as pessoas passam a deixar de frequentar ambientes sociais e até adotar uma forma de se vestir defensiva para evitar a intenção e a aproximação de outras pessoas.

A prevalência do TAS é desconhecida e difícil de estabelecer, pois indivíduos com este transtorno evitam encontros sexuais e relacionamentos íntimos, portanto, raramente procuram terapia de aversão sexual ou clínicas de terapia de casais. O TAS é relatado principalmente por mulheres. Homens com TAS têm mais probabilidade de evitar relacionamentos e, portanto, sofrem de ansiedade de desempenho sexual ou ansiedade orgásmica.

Embora não se saiba o que causa o desenvolvimento do TAS em algumas pessoas e não em outras, histórico familiar de transtorno de ansiedade e fobia é comum em pessoas com TAS. A vergonha em falar sobre este assunto pode prejudicar o tratamento. O primeiro passo para tratar o transtorno é reconhecer o problema e procurar ajuda de um psiquiatra.

Não confunda transtorno de aversão sexual com abstenção

Antes de prosseguirmos, é essencial que façamos uma distinção clara entre o transtorno e a abstenção. O transtorno é uma doença psicológica, que causa sofrimento à pessoa, que pode se sentir anormal, perdida e infeliz e fugir do constrangimento causado pelas interações sociais. Já a abstenção é um processo consciente em que a pessoa passa a redirecionar o prazer sexual para outras áreas da sua vida, como projetos profissionais, sociais, científicos ou de qualquer natureza. Pessoas com quadro de assexualidade não se incomodam com a falta de desejo sexual, encaram essa situação de forma natural e parte da vida.

Causas do transtorno de aversão sexual

Ainda existem poucos estudos sobre o transtorno de aversão sexual, o que dificulta o entendimento de um padrão de comportamento destes indivíduos. Entretanto, o que se sabe até agora é que esse processo pode ser desencadeado por experiências traumáticas em qualquer fase da vida. Condições de saúde e tratamentos médicos também podem desempenhar um papel no desenvolvimento da aversão sexual. Algumas doenças, como vários tipos de câncer, causam mudanças físicas que afetam a função sexual e/ou imagem corporal de um indivíduo. Alguns medicamentos, como inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS), podem diminuir a resposta orgásmica, criando um ambiente e uma experiência sexual imprevisíveis e frustrantes. O distúrbio pode ser ocasionados por abuso sexual durante a infância ou adolescência ou ter origem em experiências familiares traumáticas, como exposição precoce à sexualidade e até mesmo o adultério de um dos membros da família. Casos de agressão sexual na vida adulta e exposição a crenças e sistemas morais repressivos também podem fazer com que o indivíduo enxergue o sexo de forma imoral e aversiva.

Transtorno Sexual ou Fobia

O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais até sua 4a edição (DSM-IV-TR) (1)  descreveu anteriormente o transtorno de aversão sexual como “caracterizado por aversão extrema recorrente ou persistente e evitação de todo contato genital com um parceiro sexual que não seja atribuível a outro transtorno psiquiátrico”. O transtorno de aversão sexual foi posteriormente removido do DSM-5 (2) devido ao seu uso raro e à falta de pesquisas de apoio. Agora, ele é classificado como uma disfunção sexual. Ocorreram diversos debates sobre se a aversão sexual deveria ser classificado como uma fobia ou um transtorno sexual. Na Classificação Internacional de Doenças (CID 11) da Organização Mundial da Saúde, a Aversão Sexual permanece como um diagnóstico bem estabelecido dentre os transtornos sexuais (3).


Você também pode se interessar:

Transtornos sexuais: saiba quais são e quais as formas de tratamento

Como a psiquiatria pode ajudar a vida sexual da mulher

Quer saber mais sobre transtornos sexuais? Estou à disposição para solucionar qualquer dúvida que você possa ter e ficarei muito feliz em responder aos seus comentários sobre este assunto. Leia outros artigos e conheça mais do meu trabalho como psiquiatra em São Paulo!


Referências: (1) American Psychiatric Association. (2002). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: texto revisado (DSM-IV-TR). Artmed Editora. (2) American Psychiatric Association. (2022). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: texto revisado (DSM-5-TR). Artmed Editora. (3) Reed GM, Drescher J, Krueger RB, Atalla E, Cochran SD, First MB, Cohen-Kettenis PT, Arango-de Montis I, Parish SJ, Cottler S, Briken P, Saxena S. Disorders related to sexuality and gender identity in the ICD-11: revising the ICD-10 classification based on current scientific evidence, best clinical practices, and human rights considerations. World Psychiatry. 2016 Oct;15(3):205-221. doi: 10.1002/wps.20354. Erratum in: World Psychiatry. 2017 Jun;16(2):220. PMID: 27717275; PMCID: PMC5032510.




NEWSLETTER








    Sobre



    Médica graduada na Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro com Residência em Psiquiatria no Instituto de Psiquiatria Universidade Federal do Rio de Janeiro.


    Contato


    São Paulo – SP

    Rua Cubatão, 86 – 405 – Paraíso


    WhatsApp


    E-mail

                  aline@apsiquiatra.com.br

    Nosso material tem caráter meramente informativo e não deve ser utilizado para realizar autodiagnóstico, autotratamento ou automedicação. Em caso de dúvidas, consulte o seu médico.

    Copyright © 2023 – Todos os direitos reservados

    Política de Privacidade

    × Agende sua consulta