TDAH / Dra Aline Rangel

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O Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) é um transtorno do neurodesenvolvimento marcado por desatenção, hiperatividade e impulsividade. Com prevalência variando de 5,9% a 10% em crianças e 2,5% a 7% em adultos, o TDAH afeta milhões de pessoas em todo o mundo, com diferenças importantes entre os gêneros ao longo da vida. Já o transtorno da compulsão alimentar periódica (TCA), um distúrbio alimentar crônico, é caracterizado por episódios frequentes de ingestão exagerada de alimentos sem comportamentos compensatórios, atingindo cerca de 2,8% da população.

Embora pareçam condições distintas, estudos mostram que tanto o TDAH quanto o TCA compartilham uma característica neurobiológica central: a disfunção no sistema de recompensa do cérebro. Essa similaridade abre caminho para intervenções eficazes, como o uso da lisdexanfetamina (LDX) –  comercializada com o nome Venvanse ® aqui no Brasil – um medicamento que tem se mostrado promissor no tratamento de ambas as condições.

O sistema de recompensa no TDAH e na Compulsão Alimentar

O sistema de recompensa desempenha um papel central na regulação da motivação, do prazer e da tomada de decisões. Tanto no TDAH quanto no TCA, há uma disfunção nesse sistema, especialmente em relação à dopamina, um neurotransmissor crucial para o processamento de recompensas.

  • TDAH: Pacientes apresentam dificuldade em lidar com atividades que não oferecem gratificação imediata, o que leva a impulsividade e problemas de autorregulação.
  • TCA: No transtorno da compulsão alimentar, observa-se uma hipersensibilidade às recompensas alimentares, resultando em um ciclo de compulsão e reforço positivo contínuo.

Essa preferência por recompensas imediatas é comum em condições como transtornos por uso de substâncias e compulsão alimentar, dificultando o controle sobre comportamentos impulsivos.

Lisdexanfetamina: um tratamento promissor

A lisdexanfetamina (LDX) é um pró-fármaco que se converte em dextroanfetamina no organismo, aumentando os níveis de dopamina e norepinefrina em áreas do cérebro relacionadas à atenção, controle de impulsos e recompensa. Ela é amplamente utilizada no tratamento do TDAH e também tem demonstrado eficácia no manejo do TCA.

Benefícios da Lisdexanfetamina no TDAH:

  • Redução da impulsividade e da aversão a recompensas tardias.
  • Melhora na tomada de decisões e no controle de impulsos.
  • Efeitos consistentes ao longo do dia devido à sua ação prolongada.

Benefícios da Lisdexanfetamina no TCA:

  • Redução significativa nos episódios de compulsão alimentar.
  • Normalização da resposta de recompensa aos alimentos.
  • Melhora na regulação dopaminérgica, reduzindo o ciclo de compulsão e reforço positivo.

Estudos mostram que a LDX pode atuar diretamente na habênula lateral (LHb), uma estrutura do cérebro associada à sinalização de não recompensa. Essa regulação contribui para a normalização do sistema de recompensa em pacientes com TDAH e TCA, promovendo escolhas mais equilibradas e reduzindo os comportamentos impulsivos.

Conexão entre TDAH, Compulsão Alimentar e tratamento

A relação entre TDAH e TCA vai além das semelhanças nos sintomas. Ambos os transtornos compartilham disfunções neurobiológicas que afetam o dia a dia dos pacientes, aumentando o risco de comorbidades psiquiátricas. Intervenções que abordam essas disfunções, como o uso da lisdexanfetamina, têm se mostrado eficazes na melhoria da qualidade de vida.

Investir em um tratamento adequado, que pode incluir psicoestimulantes, terapia comportamental e mudanças no estilo de vida, é essencial para o manejo desses transtornos. O impacto positivo da LDX no sistema de recompensa oferece uma abordagem inovadora para tratar não apenas os sintomas principais, mas também as comorbidades associadas.


Referências:

  1. Newcorn JH, Ivanov I, Krone B, Li X, Duhoux S, White S, et al. Neurobiological basis of reinforcement-based decision making in adults with ADHD treated with lisdexamfetamine dimesylate: Preliminary findings and implications for mechanisms influencing clinical improvement. J Psychiatr Res. 2024;170:19-26.
  2. Schneider E, Higgs S, Dourish CT. Lisdexamfetamine and binge-eating disorder: A systematic review and meta-analysis of the preclinical and clinical data with a focus on mechanism of drug action in treating the disorder. Eur Neuropsychopharmacol. 2021;53:49-78.
  3. Mondoloni S, Mameli M, Congiu M. Reward and aversion encoding in the lateral habenula for innate and learned behaviours. Transl Psychiatry. 2022;12(1):3.


1 de outubro de 2023 Dra Aline RangelTDAH

A Atomoxetina é um medicamento não estimulante utilizado no tratamento do TDAH em crianças com mais de 6 anos, adolescentes e adultos como parte de um programa de tratamento integrado, o qual também inclui intervenções psicológicas, educacionais e sociais, além dos medicamentos. É um inibidor seletivo da recaptação de norepinefrina, que ajuda a melhorar a concentração, a atenção e o controle dos impulsos nos pacientes com TDAH. Ao contrário de medicamentos estimulantes, a atomoxetina possui menos riscos de abuso.

Atomoxetina: um reforço e tanto no controle do TDAH

O êxito deste psicofámaco, aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em julho de 2023, está associado ao fato dele atuar especificamente numa área do cérebro chamada córtex pré-frontal (CPF).  O CPF é uma região do cérebro que funciona como um “maestro”:  regula emoções, pensamentos e movimentos que termina de se desenvolver por volta dos 24 a 26 anos. No TDAH, é como se houvesse “um maestro que não rege tão bem os mais diferentes músicos que compõem a orquestra”. Essa falta de “harmonia entre os músicos” tem origens genéticas e pode se manifestar em crianças, jovens e adultos, faz com que o indivíduo convive com desatenção, hiperatividade e impulsividade frequentemente

A Atomoxetina funciona de maneira diferente dos psicoestimulantes. Ela atua como um inibidor seletivo de recaptação de noradrenalina (ISRN) e, ao invés de aumentar os níveis de dopamina e norepinefrina no cérebro, como fazem os psicoestimulantes, a Atomoxetina aumenta predominantemente os níveis de norepinefrina. Isso contribui para melhorar a atenção e o controle impulsivo.

Vantagens da Atomoxetina

Uma das vantagens importantes da Atomoxetina é o fato de não ser um medicamento estimulante. Isso se torna uma opção atraente para pacientes que não toleram bem os estimulantes ou que tenham questões relacionadas ao seu uso, como o potencial de abuso. Além disso, a Atomoxetina é uma opção de tratamento de longa duração, o que significa que uma única dose diária pode proporcionar benefícios ao longo do dia, eliminando a necessidade de múltiplas doses.

Considerações de Segurança e Efeitos Colaterais

Como com qualquer medicamento, a Atomoxetina não está isenta de efeitos colaterais. Os efeitos colaterais mais comuns incluem boca seca, náusea, aumento da frequência cardíaca, constipação, etc. É importante que os pacientes discutam os riscos e benefícios com seu psiquiatra antes de iniciar o tratamento com Atomoxetina. Além disso, o acompanhamento psiquiátrico contínuo é essencial para monitorar os efeitos colaterais e ajustar a dosagem se necessário.

Uma Nova Era no Tratamento do TDAH

O TDAH é uma condição neuropsiquiátrica que afeta milhões de pessoas em todo o mundo, com impactos significativos em suas vidas. A chegada da Atomoxetina, o primeiro medicamento não-estimulante para o tratamento do TDAH no Brasil, é um marco importante que oferece novas perspectivas de tratamento. No entanto, é fundamental lembrar que o tratamento do TDAH é individualizado e requer uma abordagem multidisciplinar.

O diagnóstico precoce, a pesquisa contínua e o acompanhamento são elementos essenciais para garantir o sucesso do tratamento. À medida que continuamos a avançar na compreensão do TDAH e no desenvolvimento de novas opções terapêuticas, podemos olhar para o futuro com a esperança de proporcionar uma vida com mais foco, atenção e controle para aqueles que vivenciam o desafio do TDAH. A Atomoxetina é um passo promissor nesse caminho.

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11 de julho de 2023 Sem categoriaTDAH

O que é TDAH?

O Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) é um distúrbio neurobiológico com causas genéticas que geralmente aparece na infância e muitas vezes continua na idade adulta. É caracterizado por sintomas de desatenção, hiperatividade e impulsividade. Alguns países, incluindo o Brasil, reconhecem oficialmente o TDAH e oferecem proteção legal para que indivíduos com o distúrbio recebam tratamento especializado nas escolas. Ele se caracteriza por sintomas de desatenção, inquietude e impulsividade. Ele é chamado às vezes de DDA (Distúrbio do Déficit de Atenção). Em inglês, também é chamado de ADD, ADHD ou de AD/HD.  

O TDAH é comum?

O TDAH é o distúrbio mais comum entre crianças e adolescentes encaminhados para serviços especializados. Afeta de 3 a 5% das crianças em várias regiões do mundo onde foi pesquisado. Em mais da metade dos casos, o distúrbio continua na idade adulta, embora os sintomas de hiperatividade possam ser mais leves.

O que causa o TDAH?

Inúmeros estudos em todo o mundo, incluindo no Brasil, demonstraram que a prevalência do TDAH é semelhante em diferentes regiões, indicando que o distúrbio não é secundário a fatores culturais (como práticas sociais), estilos parentais ou conflitos psicológicos. Estudos científicos mostram que indivíduos com TDAH têm alterações na região frontal do cérebro e suas conexões com o restante do cérebro. A região frontal orbital é uma das mais desenvolvidas em humanos em comparação com outras espécies animais e é responsável por inibir comportamentos (controlar ou inibir comportamentos inadequados), atenção, memória, autocontrole, organização e planejamento. O que parece estar alterado nessa região do cérebro é o funcionamento de um sistema de substâncias químicas chamadas neurotransmissores (principalmente dopamina e noradrenalina), que transmitem informações entre os neurônios. Várias causas têm sido investigadas para essas alterações nos neurotransmissores na região frontal e suas conexões.

Quais são os sintomas do TDAH?

O TDAH é caracterizado por uma combinação de dois tipos de sintomas: desatenção e hiperatividade-impulsividade. Na infância, o TDAH está frequentemente associado a dificuldades na escola e nos relacionamentos com outras crianças, pais e professores. As crianças muitas vezes são descritas como “distraídas”, “sonhadoras” e geralmente “desajeitadas” ou “inquietas” (ou seja, não conseguem ficar paradas por muito tempo). Os meninos tendem a ter mais sintomas de hiperatividade e impulsividade do que as meninas, mas ambos os gêneros experimentam desatenção. Crianças e adolescentes com TDAH também podem apresentar mais problemas comportamentais, como dificuldades com regras e limites. Em adultos, há dificuldades com desatenção na vida cotidiana e no trabalho, bem como problemas de memória (costumam ser esquecidos). Eles são inquietos (parecem relaxar apenas quando estão dormindo), mudando constantemente de uma coisa para outra, e impulsivos (colocam o “carro na frente dos bois”). Eles têm dificuldade em avaliar seu próprio comportamento e como isso afeta aqueles ao seu redor. Eles muitas vezes são considerados “egoístas”. Também são mais propensos a ter outros problemas associados, como uso de drogas e álcool, ansiedade e depressão.

Como o TDAH é diagnosticado?

O diagnóstico do TDAH envolve a avaliação da presença dos 18 sintomas associados ao distúrbio. Esses sintomas incluem desatenção, hiperatividade e impulsividade. Uma avaliação abrangente é necessária, incluindo entrevistas com o indivíduo, pais e professores, além de observações em diferentes ambientes. O diagnóstico também deve considerar a presença de sintomas na infância e seu impacto no funcionamento diário.

Existe subtipos de TDAH?

Atualmente não há uma classificação do transtorno em relação aos sintomas. Os tradicionais subtipos de TDAH  – predominantemente desatento, predominantemente hiperativo-impulsivo e combinado (1)  são considerados como apresentações no DSM-5 (2). Essa alteração deve-se aos resultados de inúmeras pesquisas (3) que refletem que a manifestação dos sintomas pode variar de acordo com a idade em que o diagnóstico é considerado , diferente do sentido do termo “subtipo”, que se refere a uma condição invariável. Estudos anteriores descreveram um declínio geral da severidade dos sintomas de hiperatividade-impulsividade ao longo do desenvolvimento (3), enquanto que para os sintomas de desatenção os resultados são inconclusivos, a redução (3), a estabilidade (3) e o aumento desses sintomas (4) têm sido relatados. Dessa forma, estima-se que até 70% das crianças diagnosticadas com TDAH na infância continuam a exibir níveis inadequados de desatenção e, em menor grau, sintomas de hiperatividade-impulsividade durante a adolescência e na vida (5).

Há alguma controvérsia em relação à existência do TDAH?

Não, não há. Existe até um Consenso Internacional publicado por médicos e psicólogos renomados de todo o mundo que apoia a existência do TDAH. O consenso é uma publicação científica que é o resultado de extensos debates entre pesquisadores, incluindo aqueles que podem não pertencer ao mesmo grupo ou instituição e podem não compartilhar necessariamente as mesmas ideias sobre todos os aspectos de um distúrbio.

Por que algumas pessoas insistem que o TDAH não existe?

Existem várias razões, que vão desde a ignorância e a falta de conhecimento científico até a intenção maliciosa. Alguns indivíduos afirmam que “o TDAH não existe” e que é uma invenção da indústria médica ou farmacêutica para lucrar com o tratamento. De forma simplista, especialistas dividem esse grupo de pessoas discrentes em dois subgrupos.

O primeiro subgrupo inclui profissionais que nunca publicaram pesquisas para apoiar suas afirmações e não fazem parte de nenhum grupo científico. Quando questionados, eles se baseiam em “experiência pessoal” ou compartilham casos que nunca foram publicados em revistas especializadas. Muitos escrevem livros ou têm sites, mas nunca apresentaram suas “descobertas” em conferências ou as publicaram em revistas científicas para que outros avaliem sua veracidade.

O segundo subgrupo é composto por aqueles que visam “vender” formas alternativas de tratamento, afirmando que apenas eles podem fornecer a abordagem correta. Ambos os grupos afirmam que o tratamento medicamentoso do TDAH leva a terríveis consequências. No entanto, quando se examina a literatura científica, nenhuma de suas afirmações pode ser encontrada em pesquisas conduzidas em todo o mundo. Essa é a principal característica desses indivíduos: apesar de parecerem cientistas ou pesquisadores, eles nunca publicaram nada para apoiar o que dizem.

O TDAH é um transtorno do neurodesenvolvimento real e complexo que requer diagnóstico profissional e intervenção. Ao buscar um diagnóstico, os indivíduos podem ter acesso a tratamentos e recursos apropriados, permitindo que prosperem academicamente, socialmente e emocionalmente. É imperativo que continuemos a nos educar e educar os outros sobre o TDAH, garantindo que informações precisas sejam disseminadas e o estigma seja eliminado.


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Referências: (1) American Psychiatric Association. (2002). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: texto revisado (DSM-IV-TR). Artmed Editora. (2) American Psychiatric Association. (2022). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: texto revisado (DSM-5-TR). Artmed Editora. (3) Banaschewski, T., & Doepfner, M. (2014). DMS-5-attention-deficit/hyperactivity disorder. Zeitschrift fur kinder-und jugendpsychiatrie und psychotherapie42(4), 271-5. (4) Larsson, H., Dilshad, R., Lichtenstein, P., & Barker, E. D. (2011). Developmental trajectories of DSM‐IV symptoms of attention‐deficit/hyperactivity disorder: Genetic effects, family risk and associated psychopathology. Journal of Child Psychology and Psychiatry52(9), 954-963. (5) Faraone, S. V., Banaschewski, T., Coghill, D., Zheng, Y., Biederman, J., Bellgrove, M. A., … & Wang, Y. (2021). The world federation of ADHD international consensus statement: 208 evidence-based conclusions about the disorder. Neuroscience & Biobehavioral Reviews128, 789-818.



7 de julho de 2023 AnsiedadeSono

Insônia e Ansiedade estão, respectivamente, entre os Transtornos do Sono e Transtornos Psiquiátricos mais prevalentes na população de adultos1. Dentre todos os caso de insônia, 40-92% ocorrem no contexto de um transtorno psiquiátrico2,3. Por sua vez, a prevalência de transtornos ansiosos em pacientes com insônia é estimada em 25-30%3.  Uma vez observados estes dados, profissionais da saúde precisam ter, ainda que em diferentes cenários, um alto índice de suspeição e investigar a possibilidade dessas duas condições serem comórbidas (aparecerem juntas), em uma avaliação clínica e inicial, o que determinará a melhor intervenção terapêutica, morbidade e prognóstico. O artigo a seguir é denso, publiquei num curso de educação médica, mas acho que você, caro leitor, terá muitas explicações sobre o que é a Ansiedade Noturna e a como ansiedade e insônia estão coorrelacionadas.

Transtorno de Ansiedade

As características essenciais dos Transtorno de Ansiedade são ansiedade e preocupação excessivas acerca de diversos eventos ou atividades. A intensidade, duração ou frequência da ansiedade e preocupação é desproporcional à probabilidade real ou ao impacto do evento ou ao impacto do evento antecipado, com funcionamento diário prejudicado4. Transtornos de ansiedade comuns incluem transtorno de ansiedade generalizada (TAG), transtorno do pânico (PD), fobias específicas, agorafobia, transtorno de ansiedade social (TAS) e transtorno de ansiedade de separação.

Transtorno da Insônia

O Transtorno da Insônia é definido como dificuldade persistente para início, manutenção e consolidação do sono, que ocorre a despeito de haver adequada oportunidade para adormecer e que resulta em prejuízo diurno, ocorrendo por, ao menos, três vezes por semana, por três meses 5. Um crescente corpo de evidências apoiou a necessidade da conceituação do termo insônia comórbida de problemas médicos e transtornos psiquiátricos nos últimos tempos, e o desuso do termo insônia secundária 6 .

Qual a relação entre Insônia e Ansiedade?

Modelo Epidemiológico

A relação entre insônia e ansiedade tem sido, progressivamente, cada vez melhor reconhecida em sua complexidade e as implicações para o entendimento da forma como esta interação é construída e seu manejo terapêutico 2,3. Ford e Kamerow7 foram precursores na busca da “causa e/ou consequência” na relação entre estes dois transtornos através de estudos epidemiológicos longitudinais. Eles analisaram 7.954 indivíduos ao longo de 1 ano em busca de uma possível relação entre o Transtorno da Insônia e Transtorno de Ansiedade. Os sujeitos deste estudo foram entrevistado na linha de base para determinar a presença de insônia e Transtornos de Ansiedade nos últimos 6 meses. Uma nova entrevista foi concluída 1 ano depois. No início do estudo, a insônia estava presente em 10% dos sujeitos, e sujeitos com insônia eram mais propensos a ter um transtorno de ansiedade do que sujeitos sem queixa de sono (23,9% vs 10%, P<0,001)7.

Modelo Psicobiológico

Alguns autores propõem que um estado de hiperexcitação mental, frequentemente marcado por preocupação e ruminação, é um fator chave tanto para a insônia quanto a ansiedade8,9 . Os indivíduos que apresentam insônia muitas vezes se preocupam em não dormir o suficiente e sobre as consequências de sua falta de sono. Como tal, as suas crenças, atitudes e comportamentos podem contribuir para a manutenção ou agravamento do seu distúrbio do  sono8. É importante notar que o medo aprendido é crucial para o início e a manutenção de distúrbios relacionados à ansiedade e a perda total do sono pode interromper a lembrança da extinção do medo condicionado10 . Ao interferir nos processos naturais de extinção, a perda total ou parcial do sono após um ataque de pânico, por exemplo, pode ser um importante contribuinte para o início e a manutenção da ansiedade.

Modelos Neuromoleculares

Uma infinidade de sistemas neurotransmissores e neuromoduladores orquestra o sono e a regulação emocional, incluindo norepinefrina, acetilcolina, GABA, dopamina, glutamato, serotonina e adenosina, conforme estabelecido em modelos animais e/ou trabalho farmacológico 11,12. Estudos de tomografia por emissão de pósitrons (PET) em humanos saudáveis ​​ou em indivíduos com ansiedade indicam uma paisagem neuromodulatória que está envolvida no sono, bem como na expressão de sintomas de ansiedade 13,14. Particularmente a adenosina, tem sido implicada na geração do sono de ondas lentas SWA e atua como mediador da homeostase do sono, rastreando as alterações dependentes do sono-vigília na pressão do sono. A adenosina é um neuromodulador onipresente no Sistema Nervoso Central, e os subtipos de receptores de adenosina corticais (receptores A1 e A2) limitam a superexcitação perigosa e desempenham um papel na ansiedade, excitação e sono 15.

Modelos emergentes da relação insônia e ansiedade

Novas pesquisas, a partir de estudos de neuroimagem usando ressonância magnética funcional (fMRI) indicam que a perda total do sono amplifica a atividade dentro da “rede do medo”, que inclui o sistema límbico e a rede envolvida no seu controle (córtex cingulado anterior dorsal e ínsula anterior) 16. Além disso, o impacto ansiogênico da perda total de sono está relacionado atividade do córtex pré-frontal medial prejudicada e conectividade associada a regiões límbicas. Ben Simon e colegas conduziram17  um estudo de privação total de sono no qual os participantes visualizaram clipes visuais emocionalmente aversivos ou neutros. A imagem de Ressonância Magnética Funcional) indicou hipoatividade dentro do mPFC (Córtex Pré-Frontal medial). Em contraste, a perda de sono aumentou a atividade dentro de áreas do sistema límbico (ou seja, amígdala, ínsula e ACC) e diminuiu a atividade do hipocampo, em comparação com uma condição bem descansada. Além disso, a perda total de sono reduziu a conectividade da modulação Cortéx Pré-Frontal medial – amígdala, e esta atividade reduzida, dentro do estudo, foi fortemente associada ao aumento dos escores clínicos de ansiedade. É importante ressaltar que uma noite de perda total de sono pode ser suficiente para aumentar a vulnerabilidade à ansiedade em indivíduos que, de outra forma, não apresentam ansiedade. De relevância crítica para futuras pesquisas e tratamentos, uma maior produção de Sono de Ondas Lentas SWS/ Atividade de Onda Lentas SWA previu uma diminuição maior na pontuações de ansiedade de estado durante a noite em indivíduos bem descansados, o que pode ria ser aprimorado usando estimulação cerebral não- invasiva 17

Tratamento

Os modelos apresentados da complexa relação entre Transtornos da Insônia e Transtornos da Ansiedade levam a um dilema clínico prático: o sucesso do tratamento da ansiedade diminuirá os sintomas de insônia (e vice-versa), ou os dois grupos de transtornos devem ser tratados simultaneamente? Problemas para iniciar o sono, sono agitado/interrompido e experiências não reparadoras são tão prevalentes entre os pacientes com transtornos de ansiedade que há muito se pensava que o tratamento dos sintomas centrais de ansiedade produziria uma resolução satisfatória da insônia7. O modelo terapêutico seria: trate a ansiedade [CAUSA] e a insônia [CONSEQUÊNCIA] desaparecerá. Com base nos modelos teóricos apresentados, essa abordagem pareceria útil principalmente no modelo em que a insônia é fator de risco e desfecho negativo da ansiedade, mas apenas se o tratamento foi iniciado na fase mais precoce de doença3,7. Na experiência prática, a maioria dos pacientes com ansiedade e insônia comórbidas procuram tratamento meses para anos após a apresentação inicial dos sintomas. Neste cenário, é necessário tratar ambos os transtornos. Da mesma forma, se ansiedade e insônia apresentam modelos neurobiológicos compreendidos como distintos atualmente, então a abordagem tradicional de tratar sintomas de ansiedade só serão, na melhor das hipóteses, parcialmente eficazes2,3,7,11.

A insônia é uma característica central dos Transtornos de Ansiedade, e estes, muitas vezes, pioram a qualidade do sono, o que indica o estímulo de um ciclo negativo envolvendo sono e ansiedade. O exame de fatores subjacentes que apoiam a ligação entre ambos sugere um circuito neurobiológico compartilhado e talvez de reforço mútuo da insônia e da ansiedade com riscos bidirecionais. A insônia como comorbidade da ansiedade é um indicador de aumento da morbidade e baixa resposta ao seu tratamento.


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Referências:

  1. WHO. Mental health action plan 2013- 2020. 2013. p. 1e48.
  2. Glidewell, R. N., Botts, E. M., & Orr, W. C. (2015). Insomnia and anxiety: diagnostic and management implications of complex interactions. Sleep Medicine Clinics10(1), 93-99
  3. Chellappa SL, Aeschbach D. Sleep and anxiety: from mechanisms to interventions. Sleep Med Rev 2022; 101583
  4. American Psychiatric Association. (2014). DSM-5: Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Artmed Editora.
  5. American Academy of Sleep Medicine (AASM). International Classification of Sleep Disorders. 3rd ed. Darien, IL: AASM; 2014.
  6. National Institutes of Health. (2005). National Institutes of Health State of the Science Conference statement on manifestations and management of chronic insomnia in adults, June 13-15, 2005. Sleep28, 1049-1057.
  7. Ford DE, Kamerow MD. Epidemiologic study of sleep disturbances and psychiatric disorders. JAMA 2019, 262: 1479–1484.
  8. Kalmbach DA, Cuamatzi-Castelan AS, Tonnu CV, Tran KM, Anderson JR, Roth T, et al. Hyperarousal and sleep reactivity in insomnia: current insights. Nat Sci Sleep 2018;10:193e201.
  9. Bonnet MH, Arand DL. Hyperarousal and insomnia: state of the science. Sleep Med Rev 2010;14(1):9e15.
  10. Straus LD, Acheson DT, Risbrough VB, Drummond SPA. Sleep deprivation disrupts recall of conditioned fear extinction. Biol Psychiatr Cogn Neurosci Neuroimag 2017;2(2):123e9.
  11. Hefti K, Holst SC, Sovago J, Bachmann V, Buck A, Ametamey SM, et al. Increased metabotropic glutamate receptor subtype 5 availability in human brain after one night without sleep. Biol Psychiatr 2013;73(2):161e8.
  12. Elmenhorst D, Kroll T, Matusch A, Bauer A. Sleep deprivation increases cerebral serotonin 2A receptor binding in humans. Sleep 2012;35(12):1615e23.
  13. Frick A, Ahs F, Engman J, Jonasson M, Alaie I, Bjorkstrand J, et al. Serotonin synthesis and reuptake in social anxiety disorder: a positron emission tomography study. JAMA Psychiatr 2015;72(8):794e802.
  14. Hjorth OR, Frick A, Gingnell M, Hoppe JM, Faria V, Hultberg S, et al. Expression and co-expression of serotonin and dopamine transporters in social anxiety disorder: a multitracer positron emission tomographystudy. Mol Psychiatr 2021;26(8):3970e9
  15. van Calker D, Biber K, Domschke K, Serchov T. The role of adenosine receptorsin mood and anxiety disorders. J Neurochem 2019;151(1):11e27
  16. Wassing R, Schalkwijk F, Lakbila-Kamal O, Ramautar JR, Stoffers D, Mutsaerts H, et al. Haunted by the past: old emotions remain salient in insomnia disorder. Brain 2019;142(6):1783e96
  17. Ben Simon E, Rossi A, Harvey AG,Walker MP. Overanxious and underslept. Nat Hum Behav 2020;4(1):100e10.

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A ansiedade é um mal que acomete milhões de pessoas. O fato é um retrato de preocupações excessivas do dia a dia, medo e pensamentos descontrolados, proporcionados pelo estilo de vida e incerteza do futuro. Quando esses sentimentos tomam dimensões desproporcionais e a mente não se desliga ao dormir, apresenta-se o quadro de ansiedade noturna.

O estresse acumulado durante o dia, assim como as preocupações constantes, são fatores que interferem diretamente na qualidade do sono, causando esse transtorno. Além da insônia, essa condição pode causar outros problemas do sono, como agitação, síndrome das pernas inquietas, apneia e terror noturno.

Como identificar a ansiedade noturna

Alguns sinais de que a ansiedade prejudica o sono são:

  • dificuldade de adormecer;
  • pensamentos que não permitem que o cérebro descanse;
  • insegurança pelo futuro;
  • antecipação de acontecimentos ruins;
  • sono não contínuo.

Esses fatores aparecem porque a ansiedade impossibilita que o cérebro se desconecte durante a noite. Assim, ao tentar dormir, a mente fica em estado de alerta, focada nos medos e estresse. Essa condição impede que o organismo inicie as fases do sono ou as atrapalha.

A falta de sono pode gerar, também, nervosismo e tensão, ocorrendo um ciclo vicioso.Agende sua consulta com a Dr. Aline Rangel psiquiatra e sexóloga.

Sintomas

Os sintomas podem se manifestar durante o dia, mas são mais incidentes na hora de dormir. Podem variar de pessoa para pessoa e ter intensidade diferente. São eles:

  • inquietação;
  • pensamento acelerado;
  • necessidade de levantar de madrugada;
  • respiração intensa ou ofegante;
  • cansaço;
  • dificuldade de adormecer;
  • necessidade de ficar com os olhos abertos;
  • sono interrompido;
  • falta de atenção durante o dia.

Causas

Alguns fatores causam impacto direto na ansiedade noturna.

Estresse

O estresse, quando crônico, é um fator de risco não só para esse transtorno, mas também para a depressão. Em níveis altos, causa liberação de cortisol no organismo, um importante hormônio que age em situações de risco. O problema acontece quando o estresse é constante e os níveis de cortisol permanecem altos no corpo.

Rotina de sono

O corpo humano funciona como um relógio. Na hora de dormir não é diferente. Hormônios trabalham em cada fase do sono e, quando o ciclo não é respeitado, esses hormônios tendem a se desregular. Ter uma boa rotina evita crises noturnas. É importante ter horário para dormir, dormir de luz apagada, não dormir assistindo TV, entre outros hábitos.

Preocupações

A mente humana é potente, mas precisa ser educada. As preocupações constantes do dia a dia são obstáculo para o desligamento do cérebro ao dormir. A técnica de substituição de pensamento pode ser útil nesses casos. Funciona da seguinte maneira: quando uma preocupação ou sentimento ruim surgir e tirar o sono, tente trocar esse pensamento por aquilo que pode acontecer de bom.
Refeições leves antes de dormir, manter uma rotina de sono, praticar atividades físicas, meditação e técnicas de respiração profunda são fatores que evitam esse transtorno.

A antecipação dos acontecimentos deve ser controlada, pois pode ser extremamente negativa e gerar problemas graves como depressão e ataque de pânico. Se a ansiedade está atrapalhando seu dia a dia, é hora de buscar ajuda médica.

A ansiedade noturna pode ser uma condição desafiadora de superar, mas não é impossível. Ao entender as causas e implementar estratégias eficazes, podemos minimizar as preocupações noturnas e melhorar nosso bem-estar mental geral. Lembre-se de criar uma rotina que acalme ao invés de agitar antes de dormir,  fazer modificações no estilo de vida e buscar ajuda profissional quando necessário.  Reflita sobre essas informações e recupere noites tranquilas para um amanhã mais promissor.


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