Pósvenção do Suicídio: A necessidade do trabalho com sobreviventes de suicídio de pessoas próximas #setembroamarelo
Muito se fala sobre Suicídio e toda temática que envolve o paciente que está sofrendo por transtornos mentais e que atentou contra a própria vida, o que já renderia muito conteúdo para conversarmos, já que todos os anos, o suicídio aparece entre as 20 principais causas de morte em todo o mundo para pessoas de todas as idades.
Mas a abordagem de hoje vai ser um pouco diferente, queremos o olhar desse tema para aquelas pessoas que estão ao redor deste paciente, você já viveu a situação de ser um familiar, amigo ou parceiro de uma pessoa que cometeu o suicídio?
Por volta dos anos de 1970 nos Estados Unidos, surgiu o termo “sobreviventes de suicídio” ou “sobreviventes de perda por suicídio” que descreve exatamente essa situação, pessoas afetadas pela perda de alguém que suicidou-se.
Sobreviventes de suicídio em números
A OMS estima que 800 mil pessoas morram por suicídio a cada ano. Para cada pessoa que se suicida, ao menos, 6 pessoas são atingidas diretamente, que são parceiros, filhos, pais, mães, amigos ou até mesmo colegas de trabalho. Isso quer dizer que ao menos 4,8 milhões de pessoas podem ser expostas ao luto por suicídio em um ano. Infelizmente, alguns estudos mundiais estimam que este número pode chegar a 500 milhões.
Cada sobrevivente inserido nesse contexto enfrenta a situação de forma individual, a punição e culpa se apresentam de forma mais intensa por entenderem o sentimento de responsabilidade que os sobreviventes carregam durante muito tempo.
Fazendo um recorte do consenso coletivo, é possível observar processos em comum e que podem ser enumerados nessa fase:
Luto
A morte de pessoas próximas e queridas faz parte da vida de todos nós. Mesmo assim, por mais que se tenha lidado com diversas perdas ao longo da existência, a morte exige que se lide com mudanças e sentimentos para muitos bastante difícil.
A tristeza profunda, a dor da perda, arrependimentos, questionamentos a respeito da
relação com quem morreu, a ansiedade decorrente da necessidade de reorganização do grupo familiar ou social fazem parte do que pode ser chamado de luto. É impossível não sofrer, mas de maneira geral, no final desse processo a vida retoma seu caminho e novos novos vínculos, novos projetos vão sendo criados.
No entanto, o processo de luto depois do suicídio de alguém próximo tem características próprias que o tornam mais difícil de atravessa. Os mesmos sentimentos que surgem em qualquer perda por morte aparecem acrescidos de vergonha, raiva e sentimentos de estigmatização. É comum cada um se perguntar se aquele suicídio poderia ter sido evitado, impedido.
Precisamos falar sobre isso
As pessoas envolvidas, em vez de se aproximarem para falar de quem morreu, lembrar histórias, chorar juntas e se apoiar, como costuma ocorrer nessas ocasiões, se retraem e passam até a evitar o contato entre si. Não falam no assunto em seu meio social e tentam, cada um por si, dar conta de sua dor e suas perguntas. A vergonha, o embaraço, a estigmatização podem impedir que um sobrevivente procure ajuda, apoio, atendimento.
Desse modo, o risco de que o suicídio de um próximo se torne um segredo é bastante grande. A situação não pode ser recordada, conversada, chorada. Mas isso não significa que ela desapareça. Ao contrário, sua existência passa a se manifestar de maneiras “estranhas”, entre elas o suicídio de outros integrantes da família ou grupo social numa perspectiva de transmissão psíquica, inclusive em gerações posteriores.
Sobreviventes de suicídio “sofrem muito e sofrem sozinhos”.
A condição de sobrevivente de suicídio não necessariamente implica em atendimento psicoterápico. Luto não é doença! Sobreviventes de suicídio podem não buscar ajuda, ou porque não querem ou porque acreditam que não há necessidade para isso, escondendo-se atrás de uma série de questões internas.
Sentimentos como de vergonha ou medo do preconceito podem tornar difícil o pedido de ajuda. Sobreviventes relatam que passam a ser identificados como a “mãe do suicida”, a “filha do suicida”. Suas identidades ficam fragilizadas e é comum o retraimento e o isolamento social.
Cria-se um estado de “desorganização” inicial que leva a pessoa a se fechar e não suportar contato com mais nada e nem ninguém. Somados a esses sentimentos de raiva e vergonha que surgem, acabam dificultando tanto o processo de elaboração do luto, quanto a busca de contato e ajuda, mesmo nos grupos em que usualmente participava. As pessoas já fragilizadas ficam ainda mais debilitadas pelo isolamento social.
Romper este círculo vicioso é o desafio que o atendimento a sobreviventes de suicídio nos propõe. Para finalizar, diante de uma perda tão dolorosa como esta, será possível emergir e viver razoavelmente bem? Nossa experiência tem dito que sim: uma mulher que perdeu o filho se reaproximou do marido e estão se ajudando e acompanhando; outra já fala em namorar novamente; outra retomou o tratamento médico que precisa fazer e havia abandonado, e assim por diante. Através da aceitação e do entendimento da ambivalência afetiva com relação a quem se suicidou pode ressurgir a capacidade de amar e se relacionar.
A compreensão e a tolerância diante do outro e de si mesmo se ampliam. Quando o sobrevivente passa a ser capaz de conviver com o ataque violento que é o suicídio de alguém afetivamente próximo e suportá-lo, a sensação de impotência, de inutilidade ou a desesperança nos relacionamentos são superadas.
Práticas de cuidado de si e de outros podem ser instauradas ou retomadas num movimento de fazer por outros e por si o que talvez não tenha sido possível viver com a pessoa que se suicidou. Realizar ações que visem a saúde e o bem-estar de si mesmo e de outras pessoas são caminhos de retomada da potência e da possibilidade de interferir construtivamente no mundo. A tristeza surgirá em muitos momentos, mas novos sentidos para a vida são criados e o ente querido pode ser lembrado com sentimentos amorosos.