Pouco se fala sobre a morte em nossa cultura e pouco se sabe sobre ela. Afinal, como é morrer? O que há além da morte? Quando ou como irá acontecer? Essas perguntas, que seguem sem respostas, podem dar origem à angústia, preocupação e ansiedade, tornando comum o medo de morrer. É um medo instintivo, assim como todos os outros. Naturalmente buscamos evitar a morte e fazemos o possível para que isso não aconteça. A única certeza, no entanto, é de que a morte acontecerá. É inevitável. E é justamente por isso que fazer as pazes com esse medo é importante para encararmos com naturalidade o processo da morte, tanto a nossa como a de outros.
O que é o medo
Na época em que o homem vivia em cavernas e precisava caçar para se alimentar, o sentimento de medo era o que garantia sua sobrevivência. Imagine que, em suas caminhadas pelas florestas, ele notasse um arbusto que se mexia. Ali atrás poderia estar um coelho que seria seu almoço ou uma onça que faria dele sua refeição. O medo era um gatilho que gerava uma reação instintiva de atacar ou defender. Herdamos esse instinto. O medo é, então, importante por acender um alerta capaz de gerar proteção a uma potencial ameaça, que pode ser real – como a onça atrás do arbusto – ou pode ser consequência de uma experiência vivida anteriormente – como o medo de dirigir por ter se envolvido em um acidente durante a infância. Nesse caso, o acompanhamento de um profissional da saúde mental é bem-vindo para neutralizar o trauma adquirido pela vivência. O medo pode, ainda, estar presente apenas na nossa mente, como acontece com grande parte deles. Isso porque muitos dos medos são criações inconscientes para evitar situações que podem nos expor ao julgamento, à rejeição, ao fracasso e a tantos outros desconfortos que não queremos vivenciar.
Esse último tipo de medo, que possui uma raiz mais profunda e muitas vezes inconsciente, é um sentimento que está sempre projetado no futuro, pois é fruto de algo que desejamos impedir, causando sofrimento por algo que não está enraizado na realidade, mas dentro de nós mesmos. Vamos tomar como exemplo o medo de falar em público, um dos mais comuns na população, que pode estar atrelado ao medo de não ser aceito pelos ouvintes e não atender suas expectativas, gerando críticas. O medo de se relacionar amorosamente pode ser, na verdade, reflexo do medo de ser abandonado. O grande problema é que medos como esses tendem a ser obstáculos para uma vida realmente plena e uma série de oportunidades podem ser perdidas se não soubermos lidar com eles de maneira producente, além de gerarem uma série de sentimentos que colocam em xeque o nosso bem-estar. Com o medo da morte acontece a mesma coisa. Vamos conferir quais são as possíveis raízes por trás desse medo?
Encontrando a raiz do medo da morte
O desconhecido pode ser aterrorizante, eu sei. Esse é um dos principais fatores que tornam a ideia da morte tão assustadora, mas não é o único. De onde vem o seu medo? Já parou para pensar sobre isso? Essa reflexão é bem-vinda pois todo medo só pode ser superado aprofundando-se nos gatilhos que geram a sensação de ameaça.
É comum que pais e mães temam a morte por se preocuparem com seus filhos. É o seu caso? Muitos dizem que passam a adotar atitudes mais prudentes após se tornarem pais, pois o medo, na realidade, é de que deixem seus filhos sem provento ou proteção. Isso acontece sobretudo quando a criança ainda está na infância, mas pode perdurar por toda sua vida. Dessa forma, o filho passaria a viver sozinho no mundo sem alguém que o ame na mesma proporção que a mãe ou o pai. Esse sentimento pode se manifestar também em um medo de adoecer e deixar os filhos sem cuidado, mesmo que por um tempo. Há variações: o filho que tem medo de morrer e causar sofrimento aos pais, ou a esposa que teme a morte para não deixar o marido sozinho ou vice-versa. De qualquer forma, o medo é infligir luto e tristeza ao outro.
Há também o medo de não viver uma vida realmente satisfatória ou de chegar ao leito de morte sem ter deixado um legado. O medo, nesse caso, é da vida. É de não ter a oportunidade de viver bem, de não ter conquistado ou aproveitado o suficiente.
Muitos dizem que não temem a morte em si, mas a morte trágica ou a morte dolorosa. É o que acontece com você? O medo aí está mais atrelado à dor e ao sofrimento físico e emocional. Essa possivelmente seja uma variedade de medo que aflige a todos, pois é também natural que evitemos passar por experiências dolorosas. É isso que motiva muitas pessoas a acordar 6h da manhã para ir à academia e correr em uma esteira. Ou a se colocar nu frente a um médico para um exame constrangedor. Queremos viver com qualidade, saúde e energia e torcemos sempre para que a nossa experiência de morte seja tranquila e em paz. Muitas vezes, apenas o pensamento de uma morte terrível já é suficiente para provocar ansiedade ou angústia. É o seu caso?
Culturalmente não temos o hábito de tratar sobre a morte. Quando alguém traz esse assunto à tona é comum que seja interrompido. A própria palavra “morte” já é vista como sombria e tenebrosa, mas seja qual for a fonte do medo, é importante relembrar que a morte faz parte do processo de viver. É a conclusão de todos os nossos projetos humanos e o encerramento de todas as nossas relações. Pode parecer difícil encarar essa finitude, eu sei. Eu entendo. No entanto, essa é a realidade e, mais cedo ou mais tarde, todos teremos de enfrentá-la, o que torna esse diálogo ainda mais necessário.
Como superar o medo da morte
Eu entendo o medo de deixar um filho, afinal também sou mãe. E por mais que a morte seja um tabu, é importante tratar do assunto com as crianças. Engana-se quem pensa que elas não sabem absolutamente nada sobre o assunto, pois a morte é retratada em filmes, livros e desenhos, muitas vezes de forma simbólica e muitas vezes explicitamente, como em O Rei Leão, Up – Altas Aventuras ou Viva – A Vida é uma Festa.
Muitos imaginam que a coragem é o oposto do medo, mas na realidade é a fé. E assim como é necessário falar sobre a morte, é também necessário nutrir a crença de que tudo ocorrerá bem. Veja, por mais que busquemos agir sempre com cuidado e prudência, nem tudo está sob nosso controle. Se evitamos voar de avião por medo de acontecer um acidente, o medo nos faz fugir e faz com que deixemos de aproveitar uma viagem. Se tivermos a crença de que tudo ocorrerá bem no voo, nós encaramos. E é essa fé que devemos nutrir para podermos lidar com o medo de maneira saudável. Fé de que iremos e voltaremos em segurança do trabalho, de que não seremos vítima de violência na rua e de que, no fim do dia, estaremos mais uma vez ao lado daqueles que amamos, seja um filho, uma mãe, um pai, ou um parceiro amoroso.
Entendo também o medo de não viver uma vida plenamente satisfatória. Estamos a todo o tempo em contato com conteúdos que podem nos trazer a sensação de que estamos perdendo o melhor da vida, seja por meio de mídias sociais, filmes e outros formatos que nos expõem a uma vida glamurosa e repleta de experiências que parecem não fazer parte da nossa realidade. É preciso tomar o controle de nossa própria vida e fazer escolhas conscientes que nos permitam viver o melhor agora ao invés de se preocupar com o futuro de uma trajetória que pode levar décadas para se concretizar. Esteja consciente da sua finitude, mas viva o momento presente de maneira que suas ações tenham um significado pessoal para você. Cerque-se de pessoas que tornem sua vida mais colorida. Estipule objetivos que sejam importantes para você. Se seu sonho é conhecer alguma ilha na província da Indonésia, planeje-se para isso. Se seu sonho é abrir uma empresa, estude para isso. Trace metas realistas e entre em ação para que você esteja a cada dia mais próximo dessas conquistas. E então, quando se aproximar o momento da sua morte, você terá a plena certeza de que viveu exatamente da maneira como você queria.
Ninguém sabe o que acontece após a morte, e possivelmente ninguém jamais saberá, mesmo assim é possível aliviar o peso da possibilidade de morte – seja a sua própria ou a de terceiros – por meio de suas crenças pessoais ou sua espiritualidade. Mesmo que você não acredite em vida espiritual ou em vida após a morte e ache que ela seja o ponto final de qualquer ciclo, essa também é uma crença. Ao chegar no fim da vida, lembre-se de que você terá cumprido seu propósito por aqui. Você, sem dúvida alguma, terá impactado pelo menos uma vida e feito a diferença na trajetória de alguém. Você será lembrado. E isso é suficiente para ter vivido com significado.
Bronnie Ware é uma enfermeira da Austrália que acompanha pacientes que estão nas últimas semanas de suas vidas. Ela se tornou conhecida por registrar conversas com essas pessoas em seus leitos de morte e elencou alguns dos principais arrependimentos no livro Antes de Partir. Um dos mais comuns era justamente o desejo de ter aproveitado a vida do jeito que almejavam e não da maneira como os outros queriam. Então não espere para se arrepender disso quando já não houver mais tempo. Viva o hoje, viva da maneira que você deseja e como te faz feliz. Esteja presente na vida das pessoas que você ama e diga como se sente em relação a elas. Quando for o momento de se despedir da sua vida, você não levará consigo esse tipo de sentimento. E então, seguramente, você chegará lá com um único pesar: o de não poder retornar para viver sua boa vida toda novamente, mas com a certeza de que você viveu e valorizou cada instante.