TDAH e Compulsão Alimentar: relação e tratamento com Lisdexanfetamina

A compulsão alimentar é um transtorno caracterizado pelo hábito de comer grandes quantidades de alimentos em um curto período de tempo, com a sensação de descontrole diante da comida. É muito comum confundir compulsão com exagero. No final de semana, em festas, ao encontrar amigos para uma refeição, por exemplo, é comum comer bastante. Esses exageros são totalmente normais.
No entanto, no Transtorno de Compulsão Alimentar Periódioca esse não é um exagero ocasional. Quem sofre com esse problema não escolhe comer grandes quantidades de comida e nãos os descreve como episódios agradáveis. Ele se caracteriza pela ingestão descontrolada de grande quantidade de alimentos, sem apetite e até quase sem mastigar, até que seja alcançada a plenitude. O ato compulsivo é realizado independente da percepção que já deveria estar saciado do paciente que, após praticá-lo, na tentativa de libertar-se de um estado insuportável de mal estar, sente-se esgotado, constrangido e com intenso sentimento de culpa sem, no entanto, recorrer a atos compensatórios (vomitar por exemplo), como nos casos de bulimia nervosa.
Estudos estimam que 12 a 30% dos pacientes com transtorno da compulsão alimentar também têm TDAH*
Embora pareçam condições distintas, estudos mostram que tanto o TDAH quanto a compulsão alimentar compartilham uma característica neurobiológica central: a disfunção no sistema de recompensa do cérebro. Essa similaridade abre caminho para intervenções eficazes, como o uso da lisdexanfetamina, comercializada com o nome Venvanse ®, Lyberdia® aqui no Brasil, um medicamento que tem se mostrado promissor no tratamento de ambas as condições.
O Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) é um transtorno do neurodesenvolvimento marcado por desatenção, hiperatividade e impulsividade. Com prevalência variando de 5,9% a 10% em crianças e 2,5% a 7% em adultos, o TDAH afeta milhões de pessoas em todo o mundo, com diferenças importantes entre os gêneros ao longo da vida.
TDAH e Compulsão Alimentar:
o que acontece no sistema de recompensa?
O sistema de recompensa desempenha um papel central na regulação da motivação, do prazer e da tomada de decisões. Tanto no TDAH quanto na compulsão alimentar, há uma disfunção nesse sistema, especialmente em relação à dopamina, um neurotransmissor crucial para o processamento de recompensas.
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TDAH: Pacientes apresentam dificuldade em lidar com atividades que não oferecem gratificação imediata, o que leva a impulsividade e problemas de autorregulação.
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Compulsão alimentar: No transtorno da compulsão alimentar, observa-se uma hipersensibilidade às recompensas alimentares, resultando em um ciclo de compulsão e reforço positivo contínuo.
Essa preferência por recompensas imediatas é comum em condições como transtornos por uso de substâncias e compulsão alimentar, dificultando o controle sobre comportamentos impulsivos.
Lisdexanfetamina no tratamento para a Compulsão Alimentar
A lisdexanfetamina é um pró-fármaco que se converte em dextroanfetamina no organismo, aumentando os níveis de dopamina e norepinefrina em áreas do cérebro relacionadas à atenção, controle de impulsos e recompensa. Ela é amplamente utilizada no tratamento do TDAH e também tem demonstrado eficácia no manejo da compulsão alimentar.
No TDAH, a intervenção com esta medicação está relacionada à melhora da impulsividade, da persistência de esforço e da tolerância a recompensas tardias.
Na compulsão alimentar, o seu uso está relacionado a uma redução da frequência de episódios de compulsão, maior controle sobre gatilhos, possível “normalização” da resposta de recompensa a alimentos.
Evidências sugerem modulação de circuitos cerebrais como a habênula lateral (sinalização de não-recompensa), o que pode ajudar a reduzir escolhas impulsivas e reequilibrar o ciclo de recompensa.
Importante: medicamentos não substituem psicoterapia, rotina estruturada, higiene do sono, manejo nutricional e atividade física. O melhor resultado vem da combinação de tratamento farmacológico + “cadenciamento dos hábitos” e crenças disfuncionais.
A relação entre TDAH e compulsão alimentar vai além das semelhanças nos sintomas. Ambos os transtornos compartilham disfunções neurobiológicas que afetam o dia a dia dos pacientes, aumentando o risco de comorbidades psiquiátricas. Intervenções que abordam essas disfunções, como o uso da lisdexanfetamina, têm se mostrado eficazes na melhora da qualidade de vida.
Aposte na terapia
É importante controlar ou reduzir os padrões de pensamento negativos que a pessoa tem sobre si mesma e sobre o seu transtorno de compulsão alimentar. A terapia cognitivo-comportamental (TCC) pode ajudar a construir uma visão mais positiva em relação ao comer compulsivo. Por exemplo, em trabalho com um terapeuta, a pessoa pode aprender a não se sentir um fracasso e abandonar o plano de tratamento só porque “escorregou” ou teve uma “recaída” nas escolhas alimentares em um dia.
A terapia comportamental dialética (DBT) também é muito útil para pessoas com TDAH, que tendem a sentir as emoções de forma mais intensa do que outras pessoas. Comer emocionalmente quando estão entediadas, com baixa autoestima ou depois de uma briga com um colega de trabalho ou com o parceiro é um desafio central para quem tem TDAH.
O objetivo da DBT é criar um equilíbrio entre aceitar onde você está agora e, ao mesmo tempo, enxergar os benefícios de fazer pequenas mudanças, sem cair no desespero ao longo do caminho. A DBT também oferece às pessoas com TDAH ferramentas eficazes para controlar melhor suas emoções e o impacto delas sobre a compulsão alimentar.
Investir em um tratamento adequado, que pode incluir psicoestimulantes, terapia comportamental e mudanças no estilo de vida, é essencial para o manejo desses transtornos. O impacto positivo da lisdexanfetamina no sistema de recompensa oferece uma abordagem inovadora para tratar não apenas os sintomas principais, mas também as comorbidades associadas.
Referências:
- Newcorn JH, Ivanov I, Krone B, Li X, Duhoux S, White S, et al. Neurobiological basis of reinforcement-based decision making in adults with ADHD treated with lisdexamfetamine dimesylate: Preliminary findings and implications for mechanisms influencing clinical improvement. J Psychiatr Res. 2024;170:19-26.
- Schneider E, Higgs S, Dourish CT. Lisdexamfetamine and binge-eating disorder: A systematic review and meta-analysis of the preclinical and clinical data with a focus on mechanism of drug action in treating the disorder. Eur Neuropsychopharmacol. 2021;53:49-78.
- Mondoloni S, Mameli M, Congiu M. Reward and aversion encoding in the lateral habenula for innate and learned behaviours. Transl Psychiatry. 2022;12(1):3.





